segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Interesse Nacional !


Na novela Avenida Brasil, uma das personagens, Carminha, no episódio que foi ao ar no dia 08 de outubro recebeu insultos, empurrões e bofetões de seu marido e de outros familiares, tendo sido expulsa de sua própria casa. Além da exaltação dos telespectadores com a cena, já que se tratava de uma das vilãs da trama, uma questão veio à tona: se a ocorrência fosse verdadeira, o marido poderia ser enquadrado na Lei Maria da Penha?
A resposta é negativa, uma vez que a Lei Maria da Penha não trata de toda a violência contra a mulher, mas somente daquela baseada no gênero. É a própria Norma, em seu art. 5º que delimita o objeto de incidência, ao preceituar que “para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero”.  Nesse mesmo sentido foi a manifestação da própria Maria da Penha Maia Fernandes. De acordo com a farmacêutica que deu nome à Lei 11.340/2006, Carminha “não tinha a liberdade cerceada nem corria o risco de morrer. Não era humilhada nem impedida de sair de casa, coisas que poderiam caracterizar uma violência motivada pelo gênero, doméstica.”
Toda violência de gênero é uma violência contra a mulher, mas o inverso não é verdadeiro, pois é exigido que, além de a vítima ser do sexo feminino, a motivação da violência seja baseada no gênero. O que é, então, violência de gênero? Veremos em breve.
Antes de adentrar o tema, todavia, reflita. Busque elencar algumas características que lhe são inerentes. Conseguiu? Vamos ver se elas coincidem com as definições trazidas a seguir.
violência de gênero envolve uma determinação social dos papéis masculino e feminino. Toda sociedade pode atribuir diferentes papéis ao homem e à mulher. Até aí tudo bem. O problema? O problema é quando a tais papéis são atribuídos pesos com importâncias diferenciadas. No caso da nossa sociedade, os papéis masculinos são supervalorizados em detrimento dos femininos.
Resta tão desproporcional o equilíbrio de poder entre os sexos, que sobra uma aparência de que não há interdependência, mas, sim, hierarquia autoritária.
Tal quadro cria condições para que o homem sinta-se (e reste) legitimado a fazer uso da violência, e permite compreender o que leva a mulher vítima da agressão a ficar muitas vezes inerte, e, mesmo quando toma algum tipo de atitude, acabe por se reconciliar com o companheiro agressor, após reiterados episódios de violência. 
Algumas importantes características da violência de gênero:
(a) ela decorre de uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher;
(b) esta relação de poder advém dos papéis impostos às mulheres e aos homens, reforçados pela ideologia patriarcal, os quais induzem relações violentas entre os sexos, já que calcados em uma hierarquia de poder;
(c) a violência perpassa a relação pessoal entre homem e mulher, podendo ser encontrada também nas instituições, nas estruturas, nas práticas cotidianas, nos rituais, ou seja, em tudo que constitui as relações sociais;
(d) a relação afetivo-conjugal, a proximidade entre vítima e agressor (relação doméstica, familiar ou íntima de afeto) e a habitualidade das situações de violência tornam as mulheres ainda mais vulneráveis dentro do sistema de desigualdades de gênero, quando comparado a outros sistemas de desigualdade (classe, geração, etnia).
Dentro deste contexto de desigualdade sexual, o principal papel da Lei Maria da Penha é o de proporcionar instrumentos úteis à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Trata-se de “normas de discriminação positiva, ou seja, medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre homem e mulher”, conforme preceitua o art. 4º, 1, da Convenção de Belém do Pará, da qual o Brasil é signatário.
Desde que foi promulgada, a Lei Maria da Penha torna-se cada vez mais conhecida. As consequências têm restado positivas, pois afirmar que há o conhecimento da Lei implica dizer que o conhecimento da Lei assenta-se na sociedade e que as mulheres apropriam-se desse conhecimento, o que equivale a se darem conta de seus próprios direitos.
As agressões sofridas por Carminha, portanto, são tipicamente um caso de prevalecimento de condição física. O homem, com ou sem motivos, que essa é outra questão, aproveitou-se de suas vantagens de porte para agredir e expulsar a sua mulher de casa, sem que ela pudesse nem mesmo levar consigo seus documentos e pertences pessoais. A incontinência furiosa que acabou canalizada em violência física contra a personagem, todavia, não caracteriza violência de gênero.

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